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12 de fevereiro de 2022Transtornos de Ansiedade
18 de novembro de 2022O conceito de saúde mental
Desde a Antiguidade até meados do século 20, concepções sobrenaturais e morais predominavam no setor da saúde. Pessoas identificadas como portadoras de doenças infecciosas, como tuberculose, ou que apresentavam estigmas físicos, como a hanseníase, eram tidas como pecadoras. Por isso, eram segregadas de suas famílias e forçadas a viver longe das cidades em cavernas, desertos e selvas. Pessoas com transtornos mentais graves recebiam o mesmo destino ou eram consideradas criminosas e aprisionadas, quando não assassinadas. Progressivamente, desde o século 16 até o século 20, a medicina assumiu o cuidado institucional dos doentes. Os países construíram grandes hospitais, sanatórios e manicômios, que seriam lugares de tratamento e repositório de pessoas com doenças infecciosas, mentais ou desvios de comportamento. Os pacientes continuaram a viver longe de suas famílias e os tratamentos eram precários, desumanos e aplicados sem critérios científicos.
Até então, no meio acadêmico e nas práticas médicas, saúde era sinônimo de ausência de enfermidade. Estar saudável significava estar sem doença ou não possuir uma deficiência. Em 1947, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença”. Dentro desse conceito holístico e ideal, uma pessoa saudável estará em equilíbrio consigo e com o meio, apesar de sofrer de alguma enfermidade. Envolve, além de gozar e manter a saúde física, realizar bem as atividades cotidianas; ser produtivo no trabalho e nos estudos; cultivar amizades, relacionamentos amorosos e familiares de forma satisfatória; participar adequadamente de atividades de lazer e da vida comunitária; enfrentar adversidades, planejar o futuro, manter a esperança na vida e continuar vendo sentido nela. Assim, uma pessoa pode ter câncer, mas manter-se satisfeita, ser útil para sua comunidade e levar uma vida plena.
Com isso, pode-se afirmar que saúde mental, mediada pela atividade cerebral, é a base para o pensamento, comunicação, aprendizado, resiliência e autoestima, além de ser a chave para o bem-estar pessoal, saúde física, relacionamentos e convívio social. Alguém com níveis adequados de saúde mental enfrenta o estresse cotidiano e atravessa fases difíceis sem que elas interfiram no cumprimento de papéis sociais.
Doenças mentais e transtornos mentais
A expressão “doença mental” abarca todas as condições relacionadas aos transtornos mentais. Daqui em diante, vamos utilizar a nomenclatura transtornos mentais para sermos mais precisos. Os transtornos mentais envolvem problemas no funcionamento do cérebro, órgão responsável por todas as funções mentais, como pensamento, humor, emoção, inteligência, percepção, linguagem e comportamento. O mau funcionamento dessas funções causa sofrimento subjetivo (angústia, tristeza, ansiedade e perda de sentido da vida) e interfere na interação em diversas áreas da vida, seja na família ou amor, seja no trabalho e/ou carreira, e também no autocuidado.
Além disso, os transtornos mentais assumem muitas formas e gravidades. A maioria esmagadora dos casos encaixa-se em leves ou moderados, os quais interferem de maneira limitada no cotidiano. Como exemplos temos certas fobias (medos anormais), compulsões (hábitos repetitivos) ou distimia (rebaixamento crônico do humor). Os portadores podem conviver bem com os sintomas, podendo ser reconhecidos como indivíduos atípicos com hábitos peculiares. Já um portador de transtorno mental em estado grave necessita de cuidados intensivos devido a risco de suicídio, agressão ou destruição de patrimônio. A gestão da vida humana pode ser comprometida com o agravamento do quadro, podendo causar intenso sofrimento individual e distúrbios familiares.
Nem sempre é claro quando um problema de humor ou pensamento se torna grave o suficiente para ser caracterizado como um transtorno. Às vezes o humor deprimido é normal, esperado para uma determinada situação, como a perda de um ente querido. Mas, se esse mal-estar persistir, causando angústia e atrapalhando o funcionamento normal da vida, a pessoa deve buscar ajuda profissional, pois existe uma grande chance de estar sofrendo de um transtorno. Nesses casos, é preciso buscar uma avaliação especializada.
Os transtornos mentais e a classificação internacional de doenças
As doenças mentais sempre foram difíceis de definir. Até a década de 1960, cada universidade, escola de medicina ou médico tinha sua própria definição e tratamento para elas. Para resolver esse problema, a OMS reuniu médicos (entre eles, epidemiologistas) e pesquisadores de diversas áreas do mundo para criar consensos sobre o conceito de transtorno mental, além de uma classificação revisável e operacional. Elaboraram então a Classificação Internacional de Doenças (CID). Até hoje, periodicamente, experts reúnem-se e atualizam a classificação a partir de diversos achados científicos, sendo a 11ª a versão atual do documento (CID-11).
A CID foi criada para facilitar a produção de estudos científicos, auxiliar na elaboração de políticas de saúde e melhorar a comunicação entre os profissionais e o público em geral. Inclusive, ela facilitou a comunicação entre os médicos e os pacientes e o entendimento dos pacientes de seu diagnóstico.
A CID auxiliou na contabilização de transtornos mentais em todo o mundo. Graças a ela, sabe-se agora que esses transtornos são bastante comuns. Também permitiu o registro sistemático, a análise, a interpretação e a comparação de dados de mortalidade e morbidade coletados em diferentes países ou regiões, em diferentes épocas, e sua reutilização para diferentes casos, incluindo suporte ao tratamento, alocação de recursos públicos, reembolso de planos de saúde, diretrizes internacionais e mais.
Fatos sobre transtornos mentais
Nas últimas décadas, houve um crescente reconhecimento do impacto negativo dos transtornos mentais no mundo e da importância do papel da saúde mental. Considerando todos os transtornos mentais (incluindo-se os relacionados ao uso de substâncias), os dados mostram que a prevalência é de 13% ao redor do mundo. Os maiores índices são de transtornos de ansiedade, transtornos de humor e transtornos por uso de substâncias, os quais causam um déficit de 1 trilhão de dólares a cada ano. Isso não é surpreendente uma vez que, sozinha, a depressão é uma das principais causas de incapacidade e morte prematura — e, no geral, transtornos mentais não tratados comprometem todas as áreas da vida, afetando desempenho escolar e/ou profissional, relacionamentos e participação na comunidade.
As estatísticas também reforçam que qualquer pessoa — independentemente de idade, sexo, renda, status social, raça/etnia, religião/espiritualidade, orientação sexual, origem ou outro aspecto de identidade cultural — pode ser afetada por um transtorno mental. Todavia, alguns padrões são percebidos: cerca de 20% das crianças e adolescentes do mundo apresentam algum transtorno; o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos; a maioria dos transtornos se manifesta antes dos 25 anos de idade.
Dois terços dos adultos com algum transtorno mental têm problemas gerais de saúde e que um terço dos adultos com problemas de saúde apresentam um transtorno. Ou seja, mente e corpo estão conectados de muitas maneiras; problemas psíquicos podem, mais tarde, aumentar o risco de problemas físicos, como diabetes, pressão alta e desnutrição. Pessoas com transtorno mental morrem até duas décadas antes das que não o possuem.
Por fim, é importante observar que as taxas de transtornos mentais estão crescendo em todo o mundo. Principalmente por causa das mudanças demográficas, houve um aumento de 13% na prevalência na última década.
Fatores causais dos transtornos mentais
Os fatores causais dos transtornos mentais são complexos. Raramente atribuímos um único. A identificação de fatores de risco e proteção potenciais constitui um importante elemento para pesquisa e elaboração de políticas de prevenção e tratamento. A OMS sintetizou fatores de risco e fatores protetores para a saúde mental em três categorias: atributos individuais, circunstâncias sociais e econômicas e fatores ambientais. A tabela abaixo mostra os fatores de risco e fatores protetivos por categoria. Esses fatores interagem desde o nascimento até a morte dos indivíduos. Podem se potencializar ou se inibir durante todas as fases do desenvolvimento humano. Por exemplo,um indivíduo pode possuir traços genéticos e de personalidade que o tornam vulnerável a transtornos mentais, mas esta mesma pessoa vive em ambiente seguro socialmente e estruturalmente. Nestes casos, a ocorrência ou não de um problema de saúde mental é condicionada ao aparecimento de eventos de vida estressantes.
Categoria |
Fatores de risco |
Fatores de proteção |
Atributos individuais | Baixa autoestima | Autoestima, confiança |
Imaturidade emocional e cognitiva | Habilidade de resolver problemas e gerenciar estresse e adversidade | |
Dificuldade de comunicação | Habilidades de comunicação | |
Doenças médicas, transtorno por uso de substâncias | Saúde e bom condicionamento físico | |
Circunstâncias sociais | Solidão, luto | Suporte social de família e amigos |
Negligência, conflito familiar | Boa parentalidade, interação familiar | |
Exposição a violência, abuso | Segurança e proteção física | |
Baixa renda, pobreza | Segurança econômica | |
Dificuldade ou falha escolar | Conquista acadêmica | |
Estresse ocupacional, desemprego | Satisfação e sucesso no trabalho | |
Fatores ambientais | Pobre acesso a serviços básicos | Equidade de acesso a serviços básicos |
Injustiça e discriminação | Justiça social, tolerância, integração | |
Desigualdade social e de gênero | Igualdade social e de gênero | |
Exposição a guerra ou desastres | Segurança e proteção física |
Uma lacuna nos cuidados dos transtornos mentais
Apesar da grande prevalência e do impacto negativo que os transtornos mentais causam nas populações ao redor do mundo, um terço das pessoas com transtornos mentais recebe algum tratamento formal.
Para lidar com esta lacuna, a Organização das Nações Unidas (ONU) elaborou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que foram fixados em 2015 como um plano de ação para pessoas, planeta e economia. A agenda, que vai até 2030, tem 17 objetivos e 169 metas integradas e indivisíveis, pelos quais se percebe a preocupação em equilibrar as três dimensões do desenvolvimento sustentável: econômica, social e ambiental.
No que diz respeito à saúde, o ODS 3, por exemplo, visa “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”. Esse documento “abrange os principais temas de saúde, incluindo saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil, doenças infecciosas, doenças crônicas não transmissíveis, saúde mental, acidentes de trânsito, cobertura universal de saúde, saúde ambiental e fortalecimento dos sistemas de saúde”.
Atualmente, sabemos muito a respeito do funcionamento do cérebro humano e sobre como aliviar o sofrimento de pessoas que possuem transtornos mentais. Há diversos medicamentos, psicoterapias e terapias não medicamentosas eficazes a um custo relativamente baixo, mas ainda é substancial a diferença entre o número de pessoas que precisam de cuidados e o número das quais têm acesso a isso.
Em razão disso, a ONU enumerou os Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a Melhoria da Assistência à Saúde Mental. Neles, a ONU condena qualquer discriminação em razão de doença mental, defende o direito de todo paciente ser tratado na sua própria comunidade e receber o tratamento menos restritivo e mais inclusivo.
No entanto, a implementação dessas normas internacionais ainda está longe de ser satisfatória. Apesar do progresso em alguns países, há graves violações de direitos humanos, discriminação e estigma. Por vergonha, muitas pessoas com transtornos mentais ainda não querem falar sobre isso, mesmo com todo acesso à informação e sabendo ser uma condição médica, assim como uma doença cardíaca ou diabetes.
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