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14 de setembro de 2023Suicídio
Perder alguém por suicídio é uma das maiores tragédias para qualquer família. Conviver com alguém com risco de se matar é um grande desafio, podendo causar sentimentos de medo, culpa, impotência e desamparo.
Estudos mostram que a taxa global de suicídio foi de nove a cada 100 mil indivíduos em 2019 (no Brasil, 5,6 suicídios a cada 100 mil indivíduos). Idosos cometem mais suicídio do que as pessoas de outras faixas etárias, principalmente os do sexo feminino. Entre adolescentes e jovens o suicídio esta entre a segunda e quarta causa de morte mais frequente.
Para entender melhor como o risco de suicídio pode se manifestar, vamos conhecer a história de Lucas, um advogado recém-formado de 25 anos, solteiro. O pai de Lucas era um líder religioso e a mãe, advogada. Por insistência do pai, ele procurou atendimento psiquiátrico, em razão de estar apresentando ideação suicida progressiva nos últimos anos, chegando a traçar planos de viajar a um país europeu para fazer eutanásia.
De acordo com o pai, ele era um bom filho, estudioso e bem-quisto por todos. “Não entendo o que acontece com meu filho”, ele afirmou quando acompanhou o filho na consulta. Lucas tentou vários tratamentos medicamentosos e terapias desde a adolescência, ia para a terapia e tomava antidepressivos e estabilizadores de humor. Apesar de nunca ter realizado uma tentativa de suicídio, seu quadro ficou mais grave com o passar dos anos.
O psiquiatra que avaliou Lucas o descreveu como alguém bem vestido, em boa forma física, falava pausadamente e de forma inteligente, mas com uma expressão facial de leve tristeza. Seus pensamentos eram lógicos e coerentes, e não foram observados delírios ou alucinações.
Lucas também queixou-se do reduzido volume de seu antebraço, que não melhorava por mais que fizesse exercícios. Reconheceu que se sentia cada vez mais deprimido e recordou que, desde criança, se sentia rejeitado e negligenciado pela mãe.
Na época da consulta, estava há semanas com insônia e sem apetite. Insistia que estava em tratamento por insistência do pai. “Ninguém pode me ajudar e vejo a morte como um alívio”, declarou. O psiquiatra o diagnosticou com transtorno depressivo crônico, transtorno dismórfico corporal e transtorno de personalidade, mas sem risco imediato de suicídio ou necessidade de hospitalização. Ele modificou os medicamentos e pediu exames laboratoriais e de imagem, cujos resultados foram normais.
Lucas foi encaminhado para sessões de TCC semanais. Nos meses seguintes, ele passou a controlar melhor sua angústia e a não se sentir mais inundado por pensamentos da infância, assim como melhorou sua imagem corporal. Foi aconselhado a explorar oportunidades profissionais e a fazer novas amizades. Isso fez com que ele desenvolvesse boa tolerância a desconfortos e sentisse menos desesperança diante de situações novas. Passou na traçou o plano de tornar-se promotor de justiça, pois, de acordo com suas palavras, gostaria de ser um “caçador de incoerências e injustiças no mundo”. Também demonstrou o desejo de encontrar alguém para ter um relacionamento sério. Com esses resultados, o médico recomendou manter as medicações por cinco anos e dar continuidade na terapia.
Prevenção ao suicídio
Estudos apontam que, entre as pessoas que cometeram suicídio, cerca de um terço consultou com psiquiatras no ano anterior à morte, enquanto 80% teve contato com médicos (generalistas ou de outras especialidades que não a psiquiatria) e outros profissionais de saúde no mesmo período. Portanto, que prestadores de cuidados primários, familiares e líderes religiosos estão em uma posição única para prevenir o suicídio. Entretanto, não é possível prever quais pessoas com pensamentos suicidas irão tentar o suicídio, mas ter conhecimento desses elementos de risco nos coloca em alerta.
Manejo de pessoas com risco de suicídio
Quando alguém na família, na vizinhança ou no trabalho está em crise, nossa primeira tarefa deve ser reconhecer alguns sinais de alerta de suicídio iminente (comportamento suicida) e ter em mente fatores de risco de suicídio (contextos de risco de suicídio).
Sinais de alerta de suicídio imediato
- Mudar o comportamento (principalmente incluindo isolamento) podem indicar a ideia suicida ou já o planejamento da ação;
- Afastar-se de amigos, família e comunidade;
- Falar ou escrever sobre morte, morrer ou suicídio;
- Falar sobre estar desesperado, desamparado ou se sentindo inútil;
- Falar em não ter razão para viver, em não ter um propósito na vida; dizer coisas como “Seria melhor se eu não estivesse aqui” ou “Eu quero sair”;
- Aumentar o uso de álcool e/ou drogas ilícitas;
- Apresentar comportamento imprudente ou arriscado, aparentemente sem pensar;
- Apresentar mudanças drásticas de humor;
- Doar bens valiosos, colocar assuntos em ordem, amarrar pontas soltas, mudar um testamento.
Fatores de risco para suicídio
- Gênero masculino;
- Integração de grupos minoritários;
- Moradia em zona rural;
- Diagnóstico de transtorno mental;
- Doença física crônica, incluindo dor crônica;
- Tentativa(s) anterior(es) de suicídio;
- Exposição a comportamento suicida de outros;
- Histórico de suicídio na família;
- Histórico de trauma ou abuso;
- Certos eventos e circunstâncias, como luto ou perdas e outros (p. ex., o rompimento de um relacionamento, reprovações acadêmicas, dificuldades legais, dificuldades financeiras, bullying);
- Abuso de álcool ou outras substâncias;
- Traços impulsivos de personalidade.
- Acesso a meios de autoextermínio;
- Armas de fogo em casa.
Embora pessoas comunicam desesperança, ideação ou intenção de auto extermínio devam ser encaminhadas a um psiquiatra, algo que reduz a chance de suicídio é conversar com a pessoa em crise. Saiba que, mesmo convivendo há bastante tempo com alguém com risco de suicídio, o comportamento suicida é imprevisível. Um psiquiatra está capacitado para avaliar o grau de letalidade da ideação, da intenção e do plano, e elaborar junto com a família um plano de segurança de acordo com o nível de risco. O nível de atendimento é determinado pela avaliação médica e pelas opções de tratamento disponíveis. Há casos, por exemplo, que precisam de vigilância domiciliar intensiva pela família e programa ambulatorial intensivo, outros necessitam de hospitalização parcial ou integral imediata.
Após a integridade física da pessoa com risco de suicídio ter sido garantida, os fatores subjacentes de distúrbios psiquiátricos, eventos precipitantes e circunstâncias de vida contínuas devem ser tratados com medicamentos, aconselhamento e envolvimento de amigos, familiares e grupos religiosos/comunitários, conforme mais apropriado.
Manejo de pessoas na iminência de suicídio
Ajudar uma pessoa em uma crise suicida é um esforço de equipe, portanto é preciso contar com a ajuda de familiares e amigos dispostos a cooperar e com o médico psiquiatra. De todo modo, há momentos em que o risco comportamental e contextual é maior, sendo necessário observar piora de sintomas de depressão, aumento do isolamento social, comunicações suicidas orais ou escritas, buscas ativas de meios de se matar na internet ou no ambiente domiciliar, tendências de sair de casa sem destino etc. Nesses casos, há ações imediatas que devem ser realizadas:
- Entrar em contato com o psiquiatra e pedir orientação;
- Permanecer calmo;
- Contar com outros da sua “equipe de contenção familiar” para vigilância 24 horas;
- Avaliar se há alguma chance de alguém se machucar, a fim de retirar crianças e idosos frágeis do ambiente;
- Remover itens que a pessoa possa utilizar em uma tentativa de suicídio.
Em circunstâncias extremas, como tentativa consumada de suicídio (com a pessoa inconsciente, convulsiva, com lesões, traumas com sinais de consumo de venenos) ou se existe a iminência de suicídio (acesso a arma, janela, corda, facas, venenos), siga as seguintes indicações:
- Ligar para o Samu (disque 192) ou polícia (disque 191) descrevendo o ocorrido e indicando a localização;
- Buscar ajuda de outros familiares ou mesmo de vizinhos;
- Se houver ameaças, não se aproximar do paciente e evitar negociar;
- Se o paciente pedir ajuda ou estiver inconsciente, prestar socorro com a orientação do Samu por telefone.
É preciso transportar o paciente em uma ambulância com enfermagem treinada para um pronto-atendimento. Frequentemente essa remoção será realizada contra a vontade do suicida, mas o psiquiatra orientará o processo e fará contato com a equipe de transporte. Se necessitar, fará um encaminhamento por escrito para o psiquiatra plantonista, que o receberá. Deve-se evitar transportar alguém por conta própria em carro particular.
Manejo hospitalar: intervenções antissuicídio
O paciente com alto risco de suicídio necessitará de hospitalização, durante a qual será protegido pela equipe de saúde mental. Ele será entrevistado, para que sejam obtidas informações diagnósticas, tratamentos prévios e fatores de risco. Receberá cuidados intensivos, vigilância ao comportamento suicida, manejo de sintomas mentais, psicotrópicos e terapias. Nesse tempo de hospitalização, a equipe de saúde mental trabalhará para criar um plano de tratamento individualizado, e um familiar participará de reuniões. A ação pode se concentrar nos fatores desencadeantes da crise, envolvendo o manejo de problemas de saúde física, de relacionamento, ocupacionais ou financeiros.
Para pacientes que inicialmente apresentam depressão maior unipolar aguda que inclui ideação ou comportamento suicida, os estudos sugerem um medicamento antidepressivo como monoterapia, com inibidores de recaptação de serotonina. Para pacientes com transtornos depressivos bipolares e unipolares que permanecem em risco de suicídio após estabilização imediata e de curto prazo com tratamento que inclui lítio, sugerimos a continuação e o tratamento de manutenção como monoterapia ou tratamento adjuvante com outros medicamentos e/ou psicoterapia, em vez de descontinuar o lítio. Após uma tentativa de suicídio, a psicoterapia (p. ex., TCC) pode prevenir tentativas subsequentes.
Manejo de pessoas pós-alta hospitalar
Logo que o paciente apresenta melhora dos sintomas e diminuição do risco de suicídio, a equipe elabora um plano de alta. O psiquiatra decidirá se a pessoa poderá ir para tratamento parcial e orientará a configuração que melhor atenda às necessidades de segurança do paciente. O acompanhamento também poderá ser feito via programa intensivo ambulatorial, se disponível. Certos tipos de terapias e medicamentos são perfeitamente administrados fora do hospital, e esse processo progressivo de desospitalização permite que os familiares observem a resposta do paciente ao tratamento em ambiente real. A participação da equipe familiar de contenção e do psiquiatra que vai acompanhar o paciente nas consultas após a hospitalização é crucial.
A transição do hospital para a comunidade é um momento de preocupação com o suicídio, pois aos poucos o paciente retornará à “vida real” e precisará lidar com problemas de convivência no retorno às atividades. A família, o paciente e a equipe devem trabalhar na criação de um plano de segurança com os seguintes pontos:
- Sinais de alerta individuais que podem sinalizar um aumento dos pensamentos de suicídio;
- Atividades, apoios sociais e/ou membros da família que possam ajudar a distrair o paciente dos pensamentos de suicídio e a se concentrar nas razões para viver;
- Pessoas a quem o paciente poderá solicitar ajuda imediatamente;
- Profissionais a quem o paciente poderá pedir ajuda em caso de urgência;
- Medidas a serem tomadas para manter o ambiente seguro e limitar quaisquer meios de autoagressão.
É importante checar todos os pontos e trabalhar em conjunto para colocar em prática o plano de segurança, certificando-se do papel de cada um.
Os pacientes correm maior risco de suicídio logo após a alta da internação psiquiátrica, portanto devem ser monitorados de perto e avaliados quanto à recorrência de sintomas ou fatores de risco.
Um ponto importante: após uma tentativa de suicídio ou suicídio, amigos, familiares e colegas de trabalho apresentam um risco aumentado de TEPT, depressão e suicídio, podendo se beneficiar de tratamento com profissional de saúde mental.